Cem Anos de Solidão: Resenha completa do Livro
Você já ouviu falar em Cem Anos de Solidão? Nós, do Café e Livros, analisamos o livro e resenhamos a história para você. Confira a seguir.
Nesse livro de Gabriel García Márquez, conheceremos a família dos Buendía, além da ascensão e queda do vilarejo onde moram, seu cotidiano e os problemas que enfrenta.
O livro representa bem a narrativa do autor, apaixonado por contar a história dos solitários. Mas, será que vale a pena ler?
Conteúdo:
ToggleCem anos de solidão: é uma boa leitura?
Antes de responder a essa questão, vamos entender minimamente sobre o que fala essa obra.
É a história da família Buendia-Iguarán e sua triste vida, alinhavada pelo fio de solidão que marcou um século de gerações. José Arcadio Buendía e sua esposa, Úrsula Iguarán, deixaram sua aldeia com um grupo de retirantes.
E, se embrenharam na floresta em busca de um futuro diferente.
Assim como vemos outras vezes no romance, até mesmo repetido em outros personagens, esse impulso empreendedor é uma das características do José Arcadio Buendía, ou melhor, de todos os Josés Arcadios.
Cem Anos de Solidão bebe em nossas fontes populares e traz para dentro da história diversas superstições e crenças. A primeira, que veio selar o destino da família, diz respeito à consanguinidade. José Arcadio Buendía e Úrsula eram primos.
Em sua aldeia, havia uma crença que proibia primos de se relacionarem, pois poderiam ter filhos com anomalias, como rabos de porco e/ou com formas de iguanas. Isso fez com que Úrsula não quisesse consumar, a princípio, o casamento recém-contraído com o esposo.
Passado algum tempo, começaram a correr boatos de uma possível impotência de José Arcadio Buendía (sim, é preciso citar o nome completo sempre, para que não se confunda com os demais personagens, filhos, netos, bisnetos e tataranetos).
Isso culminou num ato de violência em que José, tomado de uma fúria contra a chacota, atravessou o pescoço de Prudencio Aguilar com uma lança.
Terminado este ato, ele voltou para casa, arrancou o cinto de castidade de Úrsula e consumou o casamento. Com ela, gerou três filhos, sendo nenhum com rabo de porco ou com aparência de iguana.
Saindo um pouco do livro e vindo para a minha vida pessoal (não, não me casei com uma prima), lembrei-me de um casamento em que toquei (tocava muito em cerimônias).
Era um casal de primos que resolveu peitar toda a família para se casarem e a música de saída da igreja foi justamente “Barreiras”, da saudosa Rita de Cássia. “Nosso amor foi marcado por barreiras/Enfrentamos mil fronteiras/ por causa desse amor” e por aí vai.
É interessante perceber a existência dessas regras no imaginário popular, como a proibição de relacionamento entre primos, para evitar que nasçam bebês com problemas de saúde.
Garcia Márquez conseguiu aproveitar esse imaginário popular e a ele juntou diversas cores e pinceladas tão mágicas quanto reais, prendendo nossa atenção página a página.
Só que no caso de José Arcadio Buendia e Úrsula, mais do que o amor, o que os unia era uma culpa, um golpe de consciência que iniciou com o assassinato de Prudencio Aguilar.
Atormentados por esse fato, decidiram sair de sua vila natal e, numa jornada de quase dois anos em busca de uma terra não prometida, chegaram na região que fundariam a cidade de Macondo, cidade que vivenciou histórias fantásticas.
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É uma leitura recomendada?
Bom, antes de tudo, vale lembrar que Cem Anos de Solidão garantiu a Garcia Márquez o Nobel de literatura em 1982.
Um feito dessa natureza, por si só, já nos deixa de orelha em pé em relação a uma obra. Mas a premiação não é à toa.
É considerado um dos melhores romances em língua hispânica já publicados na história, figurando entre os melhores do mundo.
Atualmente, já vendeu mais de 50 milhões de exemplares, traduzido para 35 idiomas. Com certeza vale a leitura, mas não vá pensando ser um texto fácil.
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História fluida, mas com tropeços.
Como disse anteriormente, não é uma leitura fácil. Ela é fluida, vem e nos arremata para esse universo fantástico de Garcia Márquez.
Quanto mais lemos, mais queremos adentrar na obra, mas é preciso atenção. A principal dificuldade da leitura é com a árvore genealógica enorme dos Buendía.
E cada “tronco” de nomes possui umas características próprias.
A título de exemplo e, como citado no início, quase todo José Arcadio é festeiro, opulento, grande e empreendedor, ao passo que os Aurelianos são mais tristes, introvertidos e reflexivos, com olhos grandes e curiosos pelo mundo. São sete gerações em que estes nomes vão se repetindo, arrematando-nos de fins trágicos ou solitários.
Outro fator é a relação com o tempo. Ele começa no meio da história, com a quase morte do Coronel Aureliano Buendía.
Em seguida retorna no tempo e volta para o início da saga dos Buendía-Iguarán.
De forma cíclica, o tempo dá voltas entre o passado, o presente e o futuro, como se estes três períodos convivessem concomitantemente em Macondo.
Não à toa, a centenária Pilar Ternera assim fala sobre os Buendía:
“Pilar Ternera emitiu um riso fundo, o velho riso expansivo que terminara por parecer um arrulho de pombo. Não havia nenhum mistério no coração de um Buendía que fosse impenetrável para ela, porque um século de cartas e de experiência lhe ensinara que a história família era uma engrenagem de repetições irreparáveis. Uma giratória que continuaria dando voltas até a eternidade, se não fosse pelo desgaste progressivo e irremediável do eixo.”
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O fantástico cotidiano
Para mim, um dos maiores encantamentos do livro é a forma como ele trata do cotidiano.
Muito provavelmente você já deve ter ouvido algumas histórias de senhores de idade que contam fatos aumentados para causar riso e espanto da criançada, ávida por esses “causos”.
Esse contador de histórias é o narrador do livro, ao passo que as crianças encantadas somos nós, leitores e leitoras. É difícil não ficar maravilhado quando ele fala das borboletas amarelas que aparecem sempre anunciando Maurício Babilônia, amante apaixonado por Renata.
Ou do povo de Macondo espantado com o que o cigano Melquíades chamava de “a oitava maravilha dos sábios alquimistas da Macedônia”, e que não passava de um par de ímãs movendo milagrosamente caldeirões das casas.
Mas assim como uma criança que vai viajar, ou um adulto que tomou “a primeira coca-cola”, o primeiro encontro com elementos que hoje são tão cotidianos para nós com certeza deve ter causado algum estranhamento para aqueles que os viam pela primeira vez.
Esse foi o sentimento de José Arcadio Buendía ao ter seu primeiro contato da vida com o gelo.
Chegou a imaginar que, num futuro, ele pudesse ser feito de um material tão comum como a água, produzindo tijolos com os quais poderia construir casas que aplacariam o calor em Macondo.
Mesmo com toda sorte de ambientações mágicas produzidas pelo romance, temos um fio condutor que perpassa todas as gerações,, a solidão.
E é interessante perceber como aquilo que os une é justamente o que marca a individualidade de cada membro dessa longa família, culminando em seu fim a partir do nascimento do último Buendia, Aureliano, filho de Aureliano Babilônia e sua tia Amaranta Úrsula.
Confirmando a profecia do velho cigano Melquíades, esta criança nasce com um rabo de porco sendo devorada por formigas vermelhas no instante em que Macondo é varrida do mapa por um forte vendaval, “porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra.”
O Universo de Garcia Márquez
Ler Cem Anos de Solidão nos abre as portas para todo um universo do escritor colombiano.
Sendo um dos principais nomes do realismo fantástico na América Latina, onde esse gênero surgiu, ora ele nos traz um personagem que subiu aos céus em um livro e ora ele aparece voando em outro, de forma que conecta diferentes universos, de diferentes obras, em um só.
Sem dúvidas, é uma ótima obra para adentrar neste espaço, mas assim como Cem Anos de Solidão, continuar lendo o saudoso “Gabo” é uma experiência que só acrescenta em nossa vida.
Michel Costa é pesquisador, professor e músico, atuando como produtor musical, compositor, arranjador e, obviamente, instrumentista.
É docente do Curso de Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e adora pesquisar a relação entre literatura e outras linguagens artísticas, com atenção especial para a música e para o fenômeno teatral.
Ah, e é pai de uma penca de meninos.